domingo, 1 de maio de 2011

Clarice Lispector: Laços de Família


Dando continuidade a postagem que começou com uma entrevista com o cantor e agora apresentador China, nesta postagem entra em cena a coluna "Leia..." um espaço dedicado a literatura e discussão de textos jornalísticos, crônicas, contos, romances. Para abrilhantar ainda mais essa postagem entraremos em contato com um conto "Feliz Aniversário" de Clarice Lispector, retirado do livro de contos "Laços de Família".


Frase do livro "Perto do Coração Selvagem"



Clarice Lispector


Clarice Lispector
Quem entra em contato com a literatura de Clarice Lispector o impapcto é inevitável. A sua literatura apresenta ilusória facilidade. Clarice será lembrada por gerações por que sua escrita tem personalidade e representa a conquista de uma figura feminina intuitiva que através das figuras que vão desde animais, plantas ou até mesmo situação da vida diária com um lirismo que só seu texto proporciona. Clarice transforma um universo insólito, costumeiro em algo grandioso e encantador. Clarice dá “vida” de fato aos seus personagens que através de situações inusitadas se descobrem, autoconhecem e adquirem o inacreditável da vida passageira numa introspeção psicológica digna de um personagem complexo. Mistura o sagrado e profano. Seus leitores buscam a alma de seus personagens, e Clarice a põe em contato com seu leitor. Árdua busca. Sou leitor inesgotável de Clarice. Contudo em todos os seus textos, pode-se notar uma constante: a experiência da linguagem sempre ousada cerca-se do uso inteligente do coloquial, da frase inesperada. Não consigo alcançar todas as suas alegorias, metáforas, insinuações. Há livros que seu pensamento perpassa e acompanha todo o texto, flui. Há textos, trechos em que nos causam um estranhamento em que se tenta buscar entendimento do que parece estar desconexo. Mas debruçado no texto tudo está ali. Inteiro “ Um Sopro de Vida”. “Escrever ultrapassa qualquer entendimento”, já dizia a mesma.

  • Minha última leitura de Clarice Lispector foi o livro de contos “Laços de Família”. São treze contos centrados, tematicamente, no aprisionamento dos indivíduos através dos “laços de família”. Homens, mulheres, adultos ou crianças pouco a pouco o cotidiano dos personagem vai-se desnudando como um ambiente falsamente estável, em que vidas aparentemente sólidas se desestabilizam de súbito.

    O conto escolhido foi “Feliz Aniversário”. 

Situando-se:
Neste conto uma velha senhora faz aniversário e uma festa familiar é organizada. Todos os filhos, noras, genros e cunhados se encontram e, pouco a pouco, as divergências e hostilidades que há entre eles começam a aparecer. A figura da velha aniversariante, desboca e rude na sua fraqueza, vai pondo a nu a inimizade e hipocrisia que há entre familiares, que, no final da festa, saem da casa como se estivessem fugindo.


Acompanhe a leitura através dos excertos:

A família foi pouco a pouco chegando. Os que vieram de Olaria estavam muito bem vestidos por que a visita significava ao mesmo tempo um passeio a Copacabana. A nora de Olaria apareceu de azul-marinho, com enfeite de “paetês” e um drapeado disfarçando a barriga sem cinta […] e esta vinha com seu melhor vestido para mostrar que não precisava de nenhum deles, acompanhada dos três filhos: duas meninas já de peito nascendo enfantilizadas em babados cor-de-rosa e anáguas engomadas, e o menino acovardado pelo terno novo e pela gravata. […] depois veio a nora de Ipanema com dois netos e a babá. O marido viria depois[...] ficaram a nora de Olaria empertigada com seus filhos de coração inquieto ao lado; a nora de Ipanema em fila oposta das cadeiras fingindo ocupar-se com o bebê para não encarar a concunhada de Olaria; a babá ociosa e uniformizada, com boca aberta. [In: Lispector, Clarice. Laços de Família,pg38. Ed. Rocco, 1998.]

[…] e a cabeceira da mesa grande a aniversariante que fazia hoje oitenta e nove anos. [Zilda] arrumara a casa cedo, enchera-a de guardanapos de papel colorido e copos de
papelão alusivos à data, espalhara balões sugados pelo teto em alguns dos quais estava escrito “Happy Birthday!”, em outros “Feliz Aniversário!”. [In: Lispector, Clarice. Laços de Família, Pg39. Ed. Rocco, 1998]

[…] quando a nora de Ipanema pensou que não suportaria nem um segundo mais a situação de estar sentada defronte da concunhada de Olaria – que cheia das ofensas passadas não via um motivo para desfitar desafiadora a nora de Ipanema – entraram enfim José e a família [ In: Lispector, Clarice. Laços de Família, Pg39. Ed. Rocco, 1998]

Alguns não lhe haviam trazido presente nenhum […] nada que a própria aniversariante pudesse realmente aproveitar constituindo assim uma economia: a dona da casa guardava os presentes, amarga, irônica.

O ponche, Zilda suava, nenhuma cunhada ajudou propriamente, […] ninguém se lembrou de que ninguém havia contribuído com uma caixa de fósforos sequer os para a comida da festa que ela, Zilda, servia como uma escrava, os pés exaustos e o coração revoltado.

[...] Eles se mexiam agitados, rindo, a sua família. E ela era a mãe de todos. E se de repente não se ergueu, como um morto se levanta devagar e obriga mudez e terror, aos vivos, a aniversariante ficou mais dura na cadeira, e mais alta. [...] Como?! como tendo sido forte pudera dar à luz aqueles seres opacos, com braços moles e rostos ansiosos? [...] o tronco fora bom. Mas dera aqueles azedos e infelizes frutos, sem capacidade de sequer para uma boa ideia. 
As pessoas ficaram sentadas benevolentes. Algumas com a atenção voltada para dentro de si, à espera de alguma coisa a dizer. outras vazias e expectrantes, com um sorriso amável, o estômago cheio daquelas porcarias que não alimentavam mas tiravam a fome. 

- Tenho que ir. disse pertubada uma das noras levantado-se e sacudindo os farelos da saia. Vários se ergueram sorrindo. A aniversariante recebeu um beijo cauteloso de cada um como se sua pele fosse uma armadilha. 
- No ano que vem nos veremos diante do bolo aceso! esclareceu melhor o filho Manoel.
- Não sou surda! disse a aniversariante  rude, acarinahda. Os filhos se olharam rindo, vexados, felizes. a coisa tinha dado certo. As crianças foram saindo alegres, com o apetite estragado

Enquanto isso, lá em cima, sobre escadas e contingências, estava a aniversariante sentada à cabeceira da mesa, erecta, definitiva, maior do que ela mesma. será que hoje não vai ter jantar, meditava ela. A morte era seu mistério.
[In; Lispector, Clarice. Laços de Família, pg 41. Ed. Rocco, 1998.]

                             BAIXE AQUI O CONTO

Até a próxima postagem com o "Ouça..." , Marcelo Camelo, " Toque Dela".


@acarnot


Um comentário:

  1. Olá passei para conhecer seu blog ele é muito maneiro super organizado com ótimo
    conteúdo gostaria de parabenizar pelo excelente trabalho voltarei mais vezes no seu encantador blog que DEUS ilumine seus caminhos e de seus famíliares
    Desejo muito sucesso

    ResponderExcluir